A perda de popularidade da Copa já fez algumas empresas desembarcarem de projetos ligados ao evento, de acordo com Rafael Alcadipani, professor da FGV e um dos maiores especialistas em estudos organizacionais no país.
O cenário que recebe o torneio também escancara a improdutividade brasileira.
Desde o início dos protestos, no ano passado, o acadêmico envolveu-se em um trabalho de campo para conhecer a organização da polícia nos confrontos. Para Alcadipani, as manifestações e greves esperadas para a Copa preocupam não só o governo, mas também as empresas, que pressionam governantes para coibir os atos.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O descontentamento popular com o evento já fez as empresas repensarem suas estratégias? Como?
Muitas empresas pagaram valores altos para associar as suas imagens à Copa. Porém, com a queda de popularidade do evento, algumas destas companhias estão notando que pode ser prejudicial a suas marcas estarem associadas a uma Copa que não está ganhando o coração do brasileiro. Tenho registros de empresas que pretendiam patrocinar eventos, mas que estão muito preocupadas em não serem alvo de protestos e greves. Alguns destes eventos foram sutilmente cancelados. No ano passado, houve ataques a totens corporativos alusivos à Copa em diversas cidades, e não interessa a nenhum patrocinador estar envolvido com algo impopular. Um número expressivo de patrocinadores passou a associar sua imagem à seleção, não mais à Copa, um produto impopular. A marca "Copa no Brasil" é um fiasco. O que resta, do ponto de vista publicitário, é explorar a imagem da seleção. O caso das Fan Fests que tiveram suas organizações repensadas também exemplifica isso.
Falta um mês. Vai ter Copa?
Vai. O problema é como. Essa semana a situação já esquentou em São Paulo e no Rio e não se percebe clima de Copa. As pessoas estão com medo do que pode acontecer durante o torneio e esse temor já atinge as empresas. A invasão das empreiteiras nessa semana mostra que marcas ligadas à Copa podem, sim, sofrer represálias de manifestantes. Essas imagens correm o mundo e isso é muito prejudicial para os negócios.
Em artigo para o "Financial Times" em 2013 o senhor dizia que, além da corrupção, a ineficiência é o maior entrave para uma Copa de sucesso. Agora voltamos a ouvir "New York Times" e "Economist" questionando a competência e a produtividade do país. Isso prejudica a atração de investimentos?
Sem dúvida, os atrasos nas obras da Copa e a falta de infraestrutura vão escancarar tudo isso. No fim, o mundo todo vai saber do quanto sofremos nos aeroportos, da violência e das dificuldades de locomoção nos centros urbanos. Estamos acostumados no Brasil com padrões de serviços ruins e caros. Um trabalhador nos EUA produz em um dia o que um brasileiro leva seis dias para fazer. O potencial novo investidor que ainda desconhece essa realidade terá mais noção dos problemas do país, algo que parecia muito distante nos últimos anos, quando o Brasil parecia finalmente ter mudado de patamar.
A possibilidade de exibir o Brasil a um público internacional foi uma das razões que levaram o país a desejar o evento. O chute foi errado?
Foi decidido que teríamos a Copa em uma época áurea do lulismo. Receber Copa e Olimpíada era visto por muitos como o sinal de que o Brasil tinha finalmente dado certo. Hoje, o modelo de desenvolvimento lulista começa a fazer água e o equívoco de ter embarcado nesta aventura é cada vez mais evidente. E quando o país fica, de fato, em evidência, o que temos para mostrar? No ano passado, o "Times" publicou na capa de seu caderno esportivo o caso de um árbitro decapitado no Maranhão. Recentemente, um torcedor foi atingido por uma privada. É claro que esses fatos só ganharam repercussão mundial por causa da Copa.
Qual é a visão de empresários e acadêmicos sobre os movimentos para criminalizar os protestos? Há preocupação no ambiente corporativo com seu patrimônio? E com as marcas?
O empresariado evita se meter neste tipo de discussão de forma aberta e clara. Tanto que muitos dos bancos depredados em protestos não prestam queixa à polícia e não querem se envolver com medo de atrair mídia negativa. Nos bastidores, as empresas pressionam o governo para procurar coibir manifestações. Trata-se de um evento bilionário e os protestos podem causar prejuízos. Não interessa nem ao governo nem às empresas, muitas da quais financiadoras de campanhas eleitorais, ter manifestação durante a Copa. O maior patrimônio de uma empresa é sua marca, e qualquer exposição negativa preocupa. Alguns acadêmicos da área de negócios também tendem a ser conservadores e se posicionarem pela criminalização.
O senhor está fazendo também um trabalho de campo sobre a segurança nos protestos. No ano passado houve saques e depredação de lojas. Como a repressão policial terá impacto nos negócios?
Fica muito desagradável para uma marca ter policiais com escudos e cassetetes protegendo algum elemento de publicidade nas ruas, como totens alusivos à Copa do Mundo ou a fachada de seus estabelecimentos. Deixa evidente que o equilíbrio social está rompido. É uma imagem muito impactante a da polícia de choque protegendo um banco, por exemplo. O efeito para a marca pode ser nocivo. Além disso, o clima de tensão e a forte presença da polícia e do exército retira das ruas a espontaneidade ideal para os negócios. E não podemos esquecer que se pensava a princípio que a Copa seria uma grande festa, onde muita coisa seria vendida. Ainda é incerto o que irá acontecer, mas a repressão policial pode ser bem negativa para os negócios em geral.
O senhor esteve em uma audiência com o ministro da Justiça recentemente em que imagino que tenha sido questionado sobre riscos de manifestações na Copa. Quais são os receios do governo do ponto de vista institucional?
Eu acredito que o conteúdo desse tipo de reunião é reservado. Todavia, o governo federal está, com razão, tentando prever as dificuldades que um evento como este pode trazer ao Brasil.
A Copa é bom negócio para o Brasil?
Experiências anteriores revelam que megaeventos esportivos podem não ser tão benéficos como se acreditava quando foram pleiteados. Na Olimpíada de Inverno no Canadá e na Copa do Japão e da Coreia, eventos que já passaram e é possível analisar o legado deixado, houve custos subestimados e benefícios superestimados. Gera lucro para a Fifa e exposição gigantesca para seus patrocinadores. Diferentemente da Copa de 1950, que foi acessível aos brasileiros, a de 2014 é um evento essencialmente corporativo. É um excelente negócio para a Fifa, mas não tão bom para o Brasil, que ficará com estádios caros, de manutenção custosa, sem falar no prejuízo de imagem. Parte das obras de infraestrutura simplesmente não estará pronta. A Copa está se revelando um péssimo negócio para o país.
E se o Brasil vencer a Copa? O que muda na nossa imagem entre as multinacionais? O Neymar pode salvar a pátria?
Acho que nem o Pelé pode nos salvar. Acredito que a questão não é se ganhamos ou perdemos a Copa. Sem dúvida, a eliminação logo no início do torneio teria um impacto negativo. Porém, mesmo ganhando, o mundo já sabe de vários de nossos problemas. O dano já está aí e a mídia internacional é hábil. A questão não é se ganhamos ou perdemos a Copa dentro das quatro linhas, mas sim se ganhamos ou perdemos no planejamento e na execução do evento, evento que tem se mostrado um grande erro. - Joana Cunha / Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário