segunda-feira, 22 de abril de 2013

José Sarney revela que continuará trabalhando até os últimos dias de sua vida


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Como o próprio intitula ‘o político com a carreira mais longeva da história da República’, um dos mais ilustres maranhenses, concedeu entrevista exclusiva a O Imparcial para falar sobre os 28 anos do processo de consolidação da redemocratização brasileira, mas foi além falou de planos para o futuro, recordou feitos e ainda falou sobre o que mais gosta de fazer, se dedicar a literatura. Nas próximas linhas, José Sarney fala sobre um pouco da sua vida nas últimas décadas que marcaram a transformação da vida política e social do país.
O Imparcial: Que avaliação o senhor faz da sua carreira política 28 anos após assumir a Presidência da República do Brasil?
José Sarney: A vida e o destino foram extremamente generosos comigo: fizeram-me o político de carreira mais longeva da História da República, aquele que teve o maior número de mandatos no Senado Federal e o que pôde subir todos os degraus da política, de deputado federal a presidente da República, além de presidente do Senado Federal por oito anos.
Na Presidência da República, tive a difícil missão de comandar a saída do País de um regime autoritário e a instauração da democracia.
Tivemos poucas Constituições na História da República. A que mais profundamente modificou a sociedade brasileira foi feita durante meu Governo.
Eu, quando convoquei a Constituinte, tive oportunidade de dizer que precisávamos avançar nos direitos sociais, correspondendo a minha Presidência ao período em que o Brasil colocou o social entre as suas prioridades e como uma das razões da ação do Estado.
Após 28 anos de ter assumido a Presidência da República, confortam-me os resultados que obtivemos: a instauração de uma das maiores e mais poderosas democracias, o maior clima de liberdades que já teve este País, os melhores avanços na área dos direitos individuais e civis, bem como a implantação de direitos sociais que até então não existiam e passaram a ser o carro-chefe das preocupações dos Governos seguintes.
Tudo isso foi possível porque a transição democrática foi feita com a implantação de instituições duradouras e seguras.
Os estudiosos da história recente da democracia no mundo ressaltam que a mudança mais profunda feita no Brasil foi a realizada durante o meu Governo. E também que a nossa Constituição é a que mais tempo passou sem ruptura na História da República.
Relembrando o episódio da posse na Presidência do País recém-saído de uma ditadura militar e a morte de Tancredo Neves, foi um momento pessoal muito difícil?
Foi um momento pessoal muito difícil. Não há palavras na Língua Portuguesa que possam explicar o meu sentimento naquela noite. Além da perplexidade, da solidão, da tristeza e do temor pelo desconhecido, havia o peso imenso da responsabilidade que, naquele momento, recaía sobre meus ombros.
Quais contribuições do seu Governo na Presidência da República têm grandes reflexos ainda hoje, 28 anos depois?
Esse período foi de absoluta tranquilidade institucional, o que possibilitou que o Brasil passasse a ser a sexta economia mundial e fizesse uma melhor distribuição de renda, tornando o País mais justo.
Recordo que todas essas conquistas começaram durante o meu Governo.
Para citar algumas delas, recordo a maior de todas: a universalização da saúde. No Brasil, apenas trabalhadores com carteira assinada tinham direito ao benefício da assistência à saúde, custeado pelo Estado. Hoje, depois do meu Governo, todos os brasileiros passaram a ter direito a esse benefício, uma conquista coberta do nascimento até a morte.
A taxa de desemprego que deixei foi de 3%, até hoje não repetida, ou seja, continua inédita na História da República.
Instalei também o Conselho da Mulher, e hoje temos uma mulher Presidente da República.
Cito ainda a defesa do consumidor, o vale-alimentação, o vale-transporte, a impenhorabilidade da casa própria, o 13º salário para o funcionalismo público, civil e militar, e também uma política de valorização do salário-mínimo, que passou a ser também uma maneira de melhor distribuição de renda. Isso começou com o Plano Cruzado e até hoje não foi superado.
Todo esse legado tem a base e o princípio do Governo da transição democrática presidido por mim.
Esta é a principal avaliação que posso fazer dos anos que se passaram após a minha saída da Presidência.
Para citar Rui Barbosa: “Tenho a consciência, como estadista, de que não plantei couve, mas sim carvalho.”
O que aprendeu com os aliados ao longo da sua carreira política e o que só aprendeu com a Oposição?
Ninguém faz política sem aliados, e eu sempre a compreendi como a arte de harmonizar conflitos numa sociedade plural, democrática e controversa. Nunca aceitei a definição de Lenine de que a política deve ser uma guerra e que os adversários devem ser considerados inimigos que devemos exterminar.
Foi minha prática constante, ao longo de toda minha carreira, o exercício da arte do diálogo para compreender a posição e o pensamento dos outros. Dentro desse quadro, penso que a Oposição é necessária e contribui para que cada um prove que a democracia é um estado de espírito.
Qual legado fica para os filhos? Era seu desejo que seguissem o caminho da política?
Meu testamento para eles é o de pregar a fidelidade aos valores morais, o amor ao próximo, a capacidade de perdoar e a gratidão pela graça da vida, que começa na família.
Cada tempo é seu tempo, e o mundo vive em constante mutação. Hoje, estamos, em relação ao tempo em que entrei na política, num mundo transformado. E vivemos também num mundo em transformação, na passagem da sociedade industrial para a sociedade de comunicação.
Se eu nascesse hoje, não entraria na política, mas não posso dizer aos meus filhos, que nasceram nesse tempo, que não o façam.
A política nos proporciona o pensar coletivamente, com a possibilidade de melhorar a sorte das pessoas da sua cidade, do seu Município, do seu Estado, do seu País e da própria humanidade. Só se faz política com espírito público, com devoção, com fé, como se fosse uma religião. Para isso, são necessários sacrifício, paciência e dedicação.
Quais os planos para o futuro? Aposentadoria? Literatura?
Aos 80 anos, o futuro, como dizia Eliot, é o presente e, dentro do presente, estão o futuro e o passado.
Não penso em me aposentar nunca. Até o fim da minha vida, trabalharei todos os dias nas duas vertentes que constituí na minha vida: a política e a literatura.
Biografia, ficção e jornalismo – o senhor pretende dedicar-se mais a um ou a outro desses segmentos da escrita?
Estou com meu livro de memórias concluído. Devo entregá-lo dentro de alguns meses aos editores. Espero que, até o fim do ano, esteja publicado. Ele sairá, ao mesmo tempo, em português e espanhol.
Não abandonarei a poesia, a ficção e o jornalismo. Tenho verdadeira fascinação pelo jornal. Não sei como viveria se não escrevesse quase semanalmente. O jornal e o livro, para mim, são as maiores invenções da humanidade.
O senhor voltaria atrás em algo na carreira? Talvez dedicar-se somente ao jornalismo ou à literatura, por exemplo?
Se pudéssemos viver a mesma vida duas, três ou muitas vezes, em cada uma delas, mudaria muitos dos erros que cometi, corrigiria muitas das minhas falhas. Talvez me dedicasse somente ao jornalismo ou à literatura, por exemplo. Se eu tivesse que repetir, como disse, muitas vezes, a mesma vida, sem dúvida alguma, em uma dessas vezes, ficaria somente com o jornalismo ou com a literatura; em outra, somente com a política. Quem sabe, até entraria para um convento!

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