segunda-feira, 13 de julho de 2015

A democracia e a máscara da venalidade (em 10 passos)


1. O conceito de democracia nos leva a perguntar: “Quem governa e como se governa”? Essas são as duas perguntas-chaves para se compreender as formas de governo. Para Aristóteles (385 a. C. – 322 a. C) haveria três formas de governo:monarquia (governo de um só), aristocracia (governo dos melhores) e a politeia(governo de muitos). Ainda para Aristóteles, as formas degradadas desses três modelos (degradadas por interesses pessoais e privados dos humanos, que são colocados acima dos interesses gerais) seriam (respectivamente): a tirania, aoligarquia e a democracia (cf. A Wikipedia). A democracia, como se vê, era vista de forma negativa, como expressão dos demagogos e aduladores do povo. De qualquer modo, a democracia seria a melhor forma degradada (ou seja: a melhor dentre as piores).
2. Assim como em Platão (428/427 a. C – 348/347 a. C), a hierarquia dessas seis formas de governo (adotando a forma aristotética do melhor para o pior) seria a seguinte: monarquia, aristocracia, politeia, democracia, oligarquia e tirania.
3. Políbio (203 a. C – 120 a. C.) fez dois importantes ajustes na teoria das formas de governo então vigorantes: substituiu politeia por democracia (governo do povo, que passa a ser algo positivo) e sublinhou que o vício desta seria a oclocracia (governo das massas irracionais). Elas se sucedem, historicamente, conforme o ritmo de cada momento (visão fatalista da História): monarquia/tirania, aristocracia/oligarquia, democracia/oclocracia.
4. Pode-se dizer que todas essas formas de governo nós já vivenciamos no Brasil. Já fomos monarquia e tirania ao mesmo tempo (1500-1822), já fomos aristocracia e oligarquia (1822-1930) – a oligarquia rural nos governou durante a República Velha (1894-1930) e, desde 1985, somos uma democracia (sobretudo formal, mas democracia), porém, uma das mais viciadas e venais do mundo. Além de virtuosos que somos (a luta pela democracia custou muitas vidas), tudo quanto é vício também paira sobre os ares brasiliensis (como veremos em outro artigo).
5. Na teoria somos uma democracia constitucional (os direitos e garantias mais relevantes estão previstos na Constituição). Na prática, nossa democracia é preponderantemente eleitoral ou procedimental: um grande universo de eleitores pode votar a cada quatro anos. Mas ter o direito de votar não significa ter o direito de mandar, de governar, de dividir o orçamento público de acordo com os interesses gerais.
6. Apesar de todos os avanços, particularmente nos últimos 50 anos (veja Arrecthe,Trajetória das desigualdades), estamos muito longe de ser uma democracia cidadã(que repeita os direitos e garantias de todos). Uma coisa é escrever os direitos das pessoas no papel (seguramente de forma bem intencionada). Outra bem distinta é fazer valer os direitos que estão nesse papel (no “livrinho”, como diria o ex-presidente Dutra).
7. A democracia, por mais auspiciosos que sejam seus ventos, não traz consigo (automaticamente) uma boa higienização do ambiente empesteado pelos seus vícios (sobretudo os pecuniários). Os bacilos (bactérias) das grandes pestes da democracia aqui nunca foram bem dedetizados. Na verdade, como lembrava Rieux (o médico da cidade empestada de A. Camus, A peste), os bacilos não morrem: “o bacilo da[s] peste[s] não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada”. As pestes voltam até mesmo nas cidades (países) felizes, que nem bem terminam de comemorar um progresso (foi o caso da nossa redemocratização de 1985) e já se veem novamente atacadas pelos imortais e resistentes bacilos.
8. A relação entre o dinheiro e o poder viola o mantra da igualdade democrática veiculado no refrão “cada cabeça um voto”. Nas velhas e novas democracias liberais (democracias contemporâneas) temos os eleitores e os super eleitores. No nosso caso são super eleitores as empreiteiras, bancos, empresas de bebidas e de mineração, de agronegócio, de produtos alimentícios etc. Duas classes emergem desse sistema: classes dominantes e classes subdominantes. Os donos do poder econômico-financeiro são, de fato, as classes dominantes; os políticos, os governantes e os agentes públicos de alto escalão são subdominantes. Assim sempre foi (na nossa História com certeza). Nada de novo sob o sol.
9. O poder (no nosso entorno), consequentemente, sempre esteve concentrado nas mãos de poucos. A democracia (muitos votam) é uma máscara, um verniz, uma tintura (mas dela não podemos prescindir porque é só o que resta para as minorias lutarem pelos seus direitos). Seus custos entram nos balanços de quem financia as campanhas. Seus procedimentos são caros, mas sempre existe alguém que paga a conta. Tudo isso, de qualquer modo, é muito menos custoso que a violência para assumir o poder. Como a democracia, na cultura ocidental, está fora de discussão, os que detêm o poder (classes dominantes e subdominantes) nos governam por meio dela, comprando-a. A democracia, para os que mandam, virou um produto. Eles não podem usurpar diretamente o poder e prescindir dos votos dos eleitores. Sendo assim, estes (em geral) ou são comprados ou são manipulados.
10. Verdadeiramente quem governa (classes dominantes, econômicas e financeiras) não aparece com suas fotos nas urnas. São os agentes de trás (estão por detrás). Esse é o governo de poucos “na forma democrática”.[1] O eixo dessas anômalas formas de democracia reside na relação entre o dinheiro e o poder: “o dinheiro alimenta o poder e o poder alimenta o dinheiro. Um é instrumento de conquista, de garantia e de acumulação do outro”.[2] O dinheiro entra na política por causa do poder. Muitos políticos entram no poder por causa do dinheiro. Eles se retroalimentam. Os poderes econômico-financeiro e político (em regra) acham-se fundidos. Executivo e Legislativo possuem um eixo comum: o poder e o dinheiro. A teoria da tripartição dos poderes de Montesquieu virou mito. Os verdadeiros poderes são apenas dois: o econômico-financeiro-político de um lado e o poder de controle (jurídico) de outro. Quando o primeiro sequestra o segundo o país passa a ter um único governo: o do dinheiro (que fabrica mais dinheiro).
[1] CANFORA, Luciano e ZAGREBELSKY, Gustavo. La maschera democrática dell’oligarchia. Roma: Editori Laterza, 2014, p. 7-8.
[2] CANFORA, Luciano e ZAGREBELSKY, Gustavo. La maschera democrática dell’oligarchia. Roma: Editori Laterza, 2014, p. 8.

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