A descoberta da verdade sempre foi indispensável para o processo, sendo um dos seus objetivos. É certo que não se pode imaginar que, com o processo, atinja-se a verdade real sobre determinado acontecimento. Trata-se de utopia. Mas que, a verdade buscada no processo, seja a verdade mais próxima possível da real.
Através do processo, notadamente o de conhecimento, o juiz descobre a verdade sobre os fatos, aplicando, então, a estes fatos a norma apropriada. O chamado “juízo de subsunção” representa exatamente tomar o fato ocorrido e, a ele, aplicar a regra abstrata e hipotética prevista no ordenamento jurídico. Assim, podemos facilmente concluir que a verdade substancial é elementar da atividade jurisdicional.
Se é certo que o objetivo fundamental da Jurisdição é a justa composição da lide, ou a atuação da vontade concreta do direito, não é menos correto que qualquer um destes objetivos apenas se atinge através da descoberta da verdade sobre os fatos versados na demanda. Aí está a razão da importância, para a doutrina processual, da verdade substancial.
A função da prova no âmbito processual é de extrema relevância, pois se para o perfeito cumprimento dos escopos da Jurisdição é necessária a correta incidência do direito aos fatos ocorridos e, se para a aplicação do direito material é imperioso o conhecimento dos fatos, resta lógica a atenção que merece a análise da matéria fática no processo. Assim, não é por outra razão que um dos princípios fundamentais do processo civil é o da verdade substancial.
Em matéria de prova, a regra geral é a da iniciativa das partes para oferecê-las, uma vez que delas é o maior interesse na solução da causa. Por essa razão, durante muito tempo, a doutrina processual procurou distinguir a forma pela qual o processo penal e o processo civil lidavam com o tema da verdade. Defendia-se que o processo penal trabalha com a verdade real, ao passo que o processo civil conformava-se com a verdade formal. Diversamente da noção de verdade substancial, na verdade formal, o juiz deve julgar segundo o provado pelas partes, encontrando-se limitado às provas por elas carreadas aos autos. Assim, o magistrado não poderia levar em consideração as provas que as partes não foram capazes de apresentar, no curso do processo, tendo que considerar o resultado obtido como verdade para que pudesse sentenciar, ainda que não possuísse elementos suficientes para formar a sua convicção ou, pior, mesmo que soubesse que tal resultado está longe de representar a verdade sobre o caso em exame.
Atualmente, ainda há corrente doutrinária que defende a ideia da verdade formal. Partem da premissa de que o processo civil, por lidar com bens menos relevantes que o processo penal, pode contentar-se com menor grau de segurança e certeza.
Entretanto, a distinção entre verdade formal e substancial perdeu seu brilho. Atualmente, a doutrina moderna do direito processual vem rechaçando esta diferenciação, uma vez que os interesses objeto da relação jurídica processual penal não têm particularidade nenhuma que autorize a conclusão de que se deve aplicar a estes um método de reconstrução e análise dos fatos diferente daquele adotado pelo processo civil. Efetivamente, o processo civil também lida com interesses fundamentais da pessoa humana, como a família, os direitos da personalidade e os interesses metaindividuais.
A tendência da doutrina atual é de permitir ao juiz uma posição ativa na colheita da prova, ampliando seus poderes na instrução da causa, autorizando ao magistrado a iniciativa de escolher e determinar as provas que entende relevantes, que passa a não mais caber, exclusivamente, às partes. Nosso CPC acolhe tal tendência, no art. 130:
“Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligencias inúteis ou meramente protelatórias”.
O reconhecimento de amplos poderes instrutórios ao juiz, qualquer que seja a natureza da relação jurídica discutida no processo, não ofende o princípio do dispositivo, pois a natureza da relação jurídica material não interfere nos poderes concedidos ao juiz, que se dá numa outra relação jurídica – a processual, ou seja, o princípio dispositivo não tem qualquer ligação com a instrução da causa, matéria eminentemente processual, mas apenas com as limitações impostas ao juiz em razão da disponibilidade do direito material. Conforme observa José Roberto dos Santos Bedaque (Poderes Instrutórios do Juiz):
“se o pedido da tutela e os limites da prestação são privados, o modo como ela é prestada não o é”.
Conferir ao magistrado amplos poderes instrutórios não lhe retira a imparcialidade, apenas proporciona uma apuração mais profunda e detalhada dos fatos que lhe são levados para análise, não implicando em favorecimento a qualquer das partes.
A mitigação do princípio dispositivo baseia-se no fato de que o processo é instrumento público de exercício de uma função pública – a jurisdição. A publicização do processo civil demonstra que embora a relação de direito material seja privada, a relação de direito processual é pública. Além disso, o tradicional brocardo jurídico – da mihi factum, dabo tibi ius – ganha novo alcance, na medida em que, no litígio, fato e direito se interligam reciprocamente, tornando-se inconsistente sua distinção. Ao se autorizar que o juiz possa determinar, de ofício, a produção de provas, deixando o processo de ser instrumento a serviço dos interesses exclusivos das partes, pretende-se dar ênfase à busca da verdade substancial, trazida como verdadeiro dogma para o direito processual.
Assim, a ideia de verdade formal, atualmente, é mero argumento retórico para autorizar uma posição inerte do juiz na reconstrução dos fatos, permitindo a dissonância do resultado obtido no processo com a realidade fática. No processo moderno o juiz deixa de ser mero expectador do duelo entre as partes, assumindo poderes (poder-dever) de iniciativa para pesquisar a verdade real e bem instruir a causa. Falar-se em verdade formal, implica reconhecer que a decisão judicial não é alicerçada na verdade.
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