Na
sua coluna, o jornalista Rogério Gentile, registra: “Sob o risco de deixar
Brasília pela porta dos fundos da história, Dilma se comparou a Jango ao dizer
que é vitima de um golpe” (Folha de S.Paulo, 31-3-2016). Há 52 anos era
derrubado o governo constitucional brasileiro, implantando ciclo autoritário
que duraria 21 anos. O governo João Goulart foi anatemizado como um governo
impopular, onde a incompetência seria geral, fruto do que acusavam existir uma
“república sindicalista”. Na verdade, no seu ministério ou em qualquer das 37
empresas estatais (existentes à época), nenhum representante sindical ocupava
titularidade.
Neste
2016, quando o governo Dilma Rousseff busca traçar paralelo entre a situação
atual e a crise que levou ao golpe de 64 é um delírio digno dos ignorantes da
história. A substituição de um presidente da república, através rito
constitucional, é um ato democrático amparado pela Constituição. Acreditar que
a ação golpista contra Goulart tinha na “impopularidade” o seu fundamento é de
uma falsidade de fazer frade corar. Ao contrário, a “popularidade” do governo
foi determinante para a sua deposição.
Fato
atestado pelo Ibope, em levantamento feito entre os dias 9 e 26 de março de
1964, incluindo oito capitais brasileiras, atestando que Goulart tinha 74% de apoio dos brasileiros. Em tempo: Dilma Rousseff tem 70% de impopularidade.
Nem no Estado de São Paulo, principal base de combate ao seu governo, 69% dos paulistas apoiavam Goulart,
com a seguinte distribuição: 15% consideravam a administração ótima; 30% bom; e
24% regular; e 16% entendiam ser um governo péssimo. Por 35 anos a pesquisa do
Ibope, contratada pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, permaneceu
sigilosa. Atestava, também, que 59% dos brasileiros apoiavam as reformas de
base.
A
atual diretora do Ibope, Márcia Cavallari afirma: “Esses levantamentos da
década de 60 são semelhantes à metodologia das pesquisas recentes do instituto
e são perfeitamente confiáveis”. Os
pesquisadores, historiadores, sociólogos ou interessados podem consultar o
Centro Edgard Leuenroth, da Universidade Estadual de Campinas, onde a
documentação do Ibope encontra-se arquivada. E ela comprova que era real a
popularidade do governo João Goulart nas vésperas do golpe civil e militar que iria defenestrá-lo do poder.
A
defesa dos interesses nacionais e não a corrupção, em tempo de radicalização da
“guerra fria”, é demonstrada por Celso Furtado na obra autobiográfica “A
Fantasia Desfeita”, II tomo, página 253, onde relata episódio insólito.
Tramitava no Congresso Nacional, por iniciativa parlamentar, projeto de reforma
bancária. O ministro San Tiago Dantas recebe ultimato do banqueiro David
Rockefeller: “Ou vocês tiram de imediato esse projeto de lei ou mando cortar
todas as linhas de crédito que hoje beneficiam o Brasil”. E continua Celso
Furtado: “San Tiago dava a impressão de estar arrasado. Longe de esmorecer,
continuava a empenhar-se para criar um clima de compreensão nos círculos de
negócios dos Estados Unidos. Se fracassasse nessa tentativa, as incertezas
cresceriam com respeito ao processo político brasileiro.”
Externamente
a hostilização ao governo era centralizada
nos Estados Unidos que apoiava a conspiração para a sua derrubada, como
comprovam hoje documentos secretos e oficializados recentemente pelo governo
norte americano. As reformas estruturais debatidas à época, quando o Brasil
tinha 70 milhões de habitantes, estão na
ordem do dia até hoje, quando somos 200 milhões. Eram catalogadas como ação
subvertedora pelos grupos de interesses adonadores da riqueza nacional.
Internamente a conspiração era generalizada, ideólogos à esquerda e à direita travavam luta política radical, com o
objetivo de liquidar os fundamentos democráticos. Nesse clima de
conspiração geral, Goulart acreditava que se resolveriam os conflitos nos
limites do Estado Democrático. O senso político conciliador de Goulart
forneceria as condições objetivas, em favor da conspiração pelos interesses
internos e externos, culminando com o golpe civil e militar de 1964.
Hoje,
quando o PT, o governo Rousseff, e o sindicalismo pelego e aparelhado, os autointitulados
movimentos sociais, os intelectuais orgânicos e artistas que acreditam em golpe
inexistente, tentam traçar paralelo com o impeachment sendo considerado golpe
de Estado semelhante a 64, é um ato de
sublime ignorância histórica. Golpe
é ato de força militar e antidemocrático. Já o afastamento do poder de
governo irresponsável e incompetente, que levou o Brasil a sua mais grave crise
econômica e social da vida republicana, fundamentado na Constituição, é ato
democrático perfeito e inquestionável.
Helio Duque é
doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP).
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